PARECER COREN-SP Nº 012/2019
Ementa: Auto-hemoterapia
1.Do fato
Possibilidade de realização da modalidade de tratamento auto- hemoterapia no exercício profissional de Enfermagem.
2.Da fundamentação e análise
A Enfermagem segue regramento próprio, consubstanciado na Lei do Exercício Profissional nº 7.498/1986, seu Decreto regulamentador 94.406/1987 e Resolução Cofen nº 564/2017 - Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Neste sentido, atua com autonomia e em consonância com os preceitos éticos e legais, técnico-científico e teórico-filosófico e exerce suas atividades com competência para promoção do ser humano na sua integralidade, de acordo com os princípios da ética e da bioética. Além disso, conforme a Lei nº 5.905/1973, compete ao Conselho Regional de Enfermagem disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, bem como conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética profissional.
A auto-hemoterapia (AHT) consiste na retirada de sangue por punção venosa e sua imediata administração por via intramuscular ou subcutânea, em que o doador e o receptor são o mesmo indivíduo (LEITE; BARBOSA; GARRAFA, 2008).
Os autores afirmam ainda que poucos estudos são identificados na
literatura sobre o tema. Descreve-se que auto-hemoterapia foi introduzida como tentativa terapêutica pelo médico francês Ravaut por volta de 1910 e, desde então, tem sido utilizada como tentativa de tratamento de diversas patologias, tanto em humanos como em animais. A eficácia da técnica se sustenta na comparação do procedimento à aplicação de uma vacina autógena, estimulando a resposta imune do organismo diante de uma série de problemas, infecciosos ou não.
Na literatura mundial não há comprovações que demonstrem cientificamente os benefícios da pratica da Auto-hemoterapia aos seus usuários, nem mesmo bases imunológicas descritas na literatura que sugiram os benefícios indicados, empiricamente, por seus seguidores (BRITO JUNIOR et al., 2015).
Diante de tais fatos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dispôs a Nota Técnica nº 6/2017/SEI/GSTCO/DIARE/ANVISA, no seguinte sentido:
[...]
A auto-hemoterapia não deve ser confundida com a transfusão autóloga, onde nesta última ocorre a coleta prévia de uma bolsa de sangue de uma pessoa para uso próprio em procedimentos transfusionais programados.
Apesar de ser uma prática antiga e de existirem muitos relatos sobre o seu uso, ainda hoje não é reconhecida como procedimento médico e não há estudos controlados e pesquisas suficientes realizadas que comprovem a ação e a eficácia da referida técnica.
A falta de estudos científicos atualizados sobre o procedimento de auto-hemoterapia gera desconhecimento sobre as indicações, contraindicações, posologia, dosagem, interações medicamentosas, reações adversas, entre outras informações necessárias para seu uso terapêutico. Acrescido o risco de transmissão de doenças infecciosas devido à manipulação de material biológico, a prática coloca em risco a saúde de pacientes, tornando-os vulneráveis às promessas de cura e, em muitos casos, impossibilitando o acesso a recursos terapêuticos eficazes e até mesmo abandonando os tratamentos em curso.
[...]
Uma vez reconhecida a prática, procedimento ou terapia, por órgãos competentes, caberá à ANVISA regulamentar e fiscalizar o cumprimento dos critérios sanitários a serem seguidos.
[...]
A Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH), por meio do comunicado eletrônico, em 2016, intitulado “Auto- hemoterapia não é reconhecida por especialistas”, disponível em seu sítio eletrônico, também se manifestou contrária a prática, não a reconhecendo como procedimento terapêutico.
[...]
Conclusão
A ANVISA não se opõe à realização de pesquisas sobre o tema em questão, desde que cumpram protocolos em concordância com o método científico e com as normativas nacionais vigentes que versam sobre as pesquisas envolvendo seres humanos [...] (ANVISA, 2017, grifo acrescentado).
Destaca-se nesta nota técnica que a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Anvisa n° 34, de 11 de junho de 2014, que dispõe sobre as Boas Práticas no Ciclo do Sangue, também não inclui e não faz referência à auto- hemoterapia, devido ao não reconhecimento da atividade pelos conselhos profissionais.
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) se pronunciou acerca do procedimento por meio da Resolução 346/2009, que determina em seu artigo 1º que a prática da auto-hemoterapia por profissionais de enfermagem é proibida em todo o território nacional.
Nesse sentido, em resposta à demanda suscitada pelas Gerências de Sangue, Células e Órgãos (GSTCO) e de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED) da Anvisa, o Cofen reforçou seu posicionamento no Parecer nº 05/2016/CTLN/COFEN, mantendo a proibição contida na Resolução.
Considerando o exercício profissional da Enfermagem, a Resolução Cofen nº 564/2017 aprova o novo código de ética de Enfermagem, que determina seus direitos, deveres e proibições:
Capítulo I – Dos Direitos [...[
Art. 22 Recusar-se a executar atividades que não sejam de sua competência técnica, científica, ética e legal ou que não ofereçam segurança ao profissional, à pessoa, à família e à coletividade.
[...[
Capítulo II – Dos Deveres [...]
Art. 29 Comunicar formalmente, ao Conselho Regional de Enfermagem e aos órgãos competentes fatos que infrinjam dispositivos éticos-legais e que possam prejudicar o exercício profissional e a segurança à saúde da pessoa, família e coletividade. [...]
Art. 45 Prestar assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.
Capítulo III – Das Proibições [...]
Art. 61 Executar e/ou determinar atos contrários ao Código de Ética e à legislação que disciplina o exercício da Enfermagem.
Art. 62 Executar atividades que não sejam de sua competência técnica, científica, ética e legal ou que não ofereçam segurança ao profissional, à família e à coletividade.
Art. 63 Colaborar ou acumpliciar com pessoas físicas ou jurídicas que desrespeitem a legislação e princípios que disciplinam o exercício profissional de Enfermagem.
[...]
Art. 70 Utilizar dos conhecimentos de enfermagem para praticar atos tipificados como crime ou contravenção penal, tanto em ambientes onde exerça a profissão, quanto naqueles em que não a exerça, ou qualquer ato que infrinja os postulados éticos e legais.
[...]
Art. 72 Praticar ou ser conivente com crime, contravenção penal ou qualquer outro ato que infrinja postulados éticos e legais, no exercício profissional [...] (COREN, 2017).
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que é vedada aos profissionais de Enfermagem a realização/execução da modalidade de tratamento auto- hemoterapia enquanto sua prática não for regulamentada.
É o parecer.
Referências
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica nº
6/2017/SEI/GSTCO/DIARE/ANVISA: Posicionamento da Anvisa a respeito da prática da Auto-Hemoterapia. 2017. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/ 4048533/4920270/Nota+T%C3%A9cnica+n%C2%BA+06+de+2017.pdf/66d4fd e6-1a87-453b-9dcd-c2606c33eb63. Acesso em 28 maio 2019.
. Decreto nº 94.406, de 08 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre o exercício da Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/decreto-n- 9440687_4173.html. Acesso em 23 maio 2019.
. Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/lei-n-749886-de-25-de-junho-de-1986_4161.html. Acesso em 23 maio 2019.
. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34, de 11 de junho de 2014. Dispõe sobre as Boas Práticas no Ciclo do Sangue. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/ 10181/2867975/%281%29RDC_34_2014_COMP.pdf/ddd1d629-50a5-4c5b-
a3e0-db9ab782f44a. Acesso em 23 maio 2019.
BRITO JUNIOR, Lacy Cardoso, et al. Auto-Hemoterapia: uma revisão da literatura. 2015; 48(4): 386-91 Medicina (Ribeirão Preto). Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/2015/vol48n4/REV2-Auto-Hemoterapia-uma-revisaoa- da-literatura.pdf. Acesso em 28 maio 2019.
CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Parecer nº
05/2016/CTLN/COFEN. Legislação profissional. Exercício profissional. Posicionamento a respeito da prática de auto-hemoterapia. Parecer aponta
para manutenção do posicionamento já exposto na Resolução Cofen nº 346/2009. No âmbito da hemoterapia, as atividades regulamentadas para o enfermeiro e demais profissionais de enfermagem estão dispostas na Resolução Cofen n° 0511/2016. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/parecer-no-052016ctlncofen_45797.html. Acesso em 27 maio 2019.
. Resolução Cofen nº 346/2009. Proíbe a prática da auto-hemoterapia por profissionais de Enfermagem. Disponível em: http:// www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3462009_4372.html. Acesso em 28 maio 2019.
. Resolução Cofen nº 564/2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017_ 59145.html. Acesso em 28 maio 2019.
LEITE, Denise Ferreira; BARBOSA, Patrícia Fernanda Toledo; GARRAFA, Volnei. Auto-hemoterapia, intervenção do estado e bioética. Rev. Assoc. Med. Bras. v.54 n.2 São Paulo mar./abr. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php? 42302008000200026. Acesso em 28 maio 2019.